Karina Oliani fala sobre suas experiências em altas montanhas

Trilhando Montanhas - Karina, você sempre praticou esportes? Quando começou a praticar? Quando surgiu o interesse pela aventura?

Karina Oliani - Acredito que a paixão por aventura já nasceu comigo. Os esportes foram só consequência. Meus pais contam que desde pequena eu já mostrava esse meu lado "exploradora" de ser: enquanto minhas irmãs brincavam dentro da casinha, eu estava escalando o telhado da casinha de bonecas!!! Amo me sentir desafiada, é o que me realmente me motiva.

TM -  Você recorda qual foi sua primeira montanha? E qual foi a mais difícil e por quê?

Karina Oliani - Minha primeira alta montanha (com uma altitude considerável) foi o Kilimanjaro na Tanzânia, com 5.895m em 2009.

A mais difícil na questão física/ psicológica foi o Everest justamente pela falta de oxigênio e o frio extremos.

No dia que decidimos atacar o cume as condições estavam bem ruins, ventos a mais de 100km/h e uma temperatura de 42 graus negativos. Isso está longe de ser um dia de condições ideais pra fazer um cume a 8.8848m

Por causa de uma tempestade fomos obrigados a esperar 30 horas na chamada Zona da Morte (a 8.000m de altitude) pras condições melhorarem. Por isso, tive que abrir mão de metade da minha pequena equipe (de 4 pessoas) pra que 2 pessoas tivessem oxigênio suficiente pra atacar o cume.

TM -  Com base na sua experiência em altitude e também como médica, o que você entende necessário em um “kit básico” de medicamentos para alta montanha? Qual a especialidade médica um iniciante de alta montanha deve procurar para montar seu kit básico de alta montanha?

Karina Oliani - Cada montanha é um caso, um tipo de clima, de expedição e cada paciente é único. Seria imprudente da minha parte querer generalizar um kit para qualquer pessoa que vai pra montanha, sem que esse tenha passado com um profissional que possa orientar quais são as indicações e contra indicações de qualquer medicamento para alta montanha.

Até porque alguns medicamentos fundamentais para o KIT Básico de montanha só podem ser comprados com receita médica.

Hoje em dia a especialidade de medicina em alta montanha ainda é muito rara no nosso país. Foi por isso que em 2001 criamos a ABMAR (Associação Brasileira de Áreas Remotas e Medicina de Aventura). Entidade que promove palestras, cursos e pesquisas científicas sobre este tema tão desconhecido em nosso território.

Se você é iniciante e procura total segurança em sua expedição em alta montanha, aconselho entrar em contato com um destes profissionais na Fanpage da ABMAR.

karina oliani acampamento

TM - Qual a sua opinião sobre o uso de “acetazolamida” para auxílio na prevenção do chamado “mal da altitude”?

Karina Oliani - Ela comprovadamente acelera o processo de aclimatação. Por outro lado, é um diurético e por isso também pode causar desidratação. Um dos processos mais perigosos em alta montanha.

Por isso, sou a favor de uma aclimatação gradual e que respeite o ritmo de cada escalador. A melhor forma de se aclimatar bem é dar tempo ao seu corpo e foi o que eu fiz pra subir o Everest. Não precisei usar Acetazolamida ou nenhuma droga porque me aclimatei da maneira certa.

TM - Você já participou de algum resgate em área remota em alguma expedição sua? Se sim, como foi?

Karina Oliani - Sim, algumas vezes. Fui contratada em 2010 para ser médica da equipe de Dick Bass, o primeiro homem a escalar as 7 maiores montanhas do mundo, no campo base do Everest. Nesse ano participei de vários resgates, inclusive um do próprio Dick Bass (foto).

Mas um resgaste que me marcou bastante foi também no Kilimanjaro. Estávamos gravando nossa expedição para um programa na TV. Quando chegamos no topo, um dos cinegrafistas (e o que se dizia o mais experiente em montanha) começou a falar enrolado, sentou-se no chão e não conseguia mais caminhar. Eu e o resto da equipe tivemos que parar tudo o que estávamos fazendo e descer carregando ele. Conforme descíamos percebemos que não havíamos perdido altitude o suficiente para ele voltar ao normal e tentamos acionar o resgate aéreo. O helicóptero disse que não conseguia decolar com esse tempo. Carregar uma pessoa de mais de 80 kg nesse terreno e depois de já ter escalado mais de 12h foi bem difícil. Esquecemos completamente de gravar. Na minha posição de médica fiz uma injeção intravenosa para edema cerebral de alta montanha. Depois de 24h conseguimos trazê-lo de volta ao campo base. Graças a Deus ele se recuperou 100%. Fica a lição: com montanha não se brinca e altitude não se menospreza!

TM - O que você considera o maior risco de acidente em uma escalada de alta montanha?

Karina Oliani - Menosprezar a altitude. Você pode ser um tremendo atleta ao nível do mar, mas nunca menospreze a montanha. E lembre que montanha não é lugar de estar sozinho. Tenha sempre uma pessoa em quem você confie por perto.

karina oliani everest

TM - Com relação à expedições mais intensas, se você fosse montar o seu grupo, quais as características seriam indispensáveis?

Karina Oliani:

1) Ter bom-humor seria o 1o passo.

2) Alguém que eu conheça seu caráter e sei que posso confiar nele.

3) Alguém que não reclama a toa e traz mais soluções do que gera problemas

TM - De uma nota de importância de 0 a 5 para os seguintes itens: treinamento, alimentação, equipamentos, e perfil psicológico.

Karina Oliani:

Treinamento: 4

Alimentação: 4

Equipamentos: 4

Perfil psicológico: 5

karina oliani everest 2

TM - O que faz uma pessoa percorrer uma subida difícil e íngreme, desafiando seu próprio corpo, seus limites físicos e psicológicos, para ver uma linda vista por alguns minutos?

Karina Oliani - Posso dizer por mim. Eu não escalo pelo cume. Escalo por tudo que aprendo durante a jornada... Eu amo a simplicidade da vida na montanha. Lá só nos preocupamos com o que é realmente essencial pra sobrevivência. Uma expedição é muito enriquecedora: o contato com os locais, com outras culturas, com outras pessoas, a sensação única de estar conquistando algo tão grande, a vista maravilhosa que se tem todos os dias, o prazer de estar no contato mais íntimo com a natureza por tantos dias, depois aquele sentimento de estar viva e de ter cumprido a missão. Decidir escalar uma montanha é estipular um novo desafio para si mesmo. E fazê-lo tornar-se possível é uma vitória!!!

Esse texto que postei há algumas semanas acho que resume bem o que eu sinto e porquê eu escalo montanhas:

Eu gosto de escalar montanhas
Elas me fazem sentir pequena.
Elas me ajudam a entender o que realmente importa na vida.
Elas me deixam desafiar a mim mesma.
Elas fazem com que eu conquiste minhas dúvidas.
Elas me colocam em sintonia com a minha respiração.
Elas me fortalecem fisicamente e mentalmente.
Elas liberam endorfinas no meu corpo.
Elas ajudam a aliviar a tensão.
Elas me fazem enxergam tudo de cima e ter uma outra perspectiva da vida.
Elas me dão autodisciplina.
Elas aumentam minha estamina.
Elas me trazem um desafio saudável.
E me proporcionam paisagem sensacionais.
Eu gosto de escalar montanhas.

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Jucilene Pereira
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